sábado, 20 de agosto de 2011

Um toque de gozo e esperança

E disse Maria: “Enaltece minha alma ao Senhor. E meu espírito encheu-se de gozo no Deus, meu Salvador”. O Magnificat constitui um louvor em alta voz. Louvor de agradecimento a Deus, que é Senhor e Salvador. Um grito de ação de graças por um benefício recebido. Neste hino de louvor, Maria vê antecipadamente a ação salvífica divina. A razão é: “Porque fixou seu olhar na insignificância de sua escrava. Eis pois que a partir de agora chamar-me-ão ditosa, todas as gerações”. Fixou seu olhar significa observar, prestar atenção.

A primeira razão da ação de graças é, pois, a natureza transcendental ou divina de quem provém a eleição traduzida em benevolência: Deus. A segunda, é a pequenez da qual Ele se deixou conquistar, pois escolheu um ser insignificante como é uma escrava. É por isso que todas as gerações a chamarão bendita, ou seja, privilegiada de Deus.

“Porque fez para mim grandes coisas o Poderoso já que é sagrado seu nome”. O Poderosoera um dos títulos com os quais os judeus substituíam o nome santo. É com esse nome, – oPoderoso – que Jesus responde à conjura de Caifás (Mt 26,64). Só que nesta última circunstância, usa-se o substantivo poder. Sem especificar quais eram essas coisas, Maria termina com louvor dedicado a esse nome que era sagrado: já que Seu nome é sagrado. Isto pode significar que não pode ser pronunciado e que poderíamos traduzir por seu nome é único como divino. Sem dúvida que a base das grandes coisas feitas pelo poder divino era a maternidade especial de Maria, da qual Isabel era testemunha através do Espírito de profecia.

“Pois a misericórdia d’Ele se estende, de geração em geração, para os que O temem”.Vemos aqui a misericórdia divina que é infinita, perdura de geração em geração. O amor com que se ama a um desvalido ou necessitado para ajudá-lo transpassa os limites de uma geração.

Maria oferece uma definição da atuação divina que merece a pena considerar: Deus é misericórdia para os que O respeitam. Respeito e reverência que se traduz em obediência às leis de modo escrupuloso. A misericórdia é um ato de amor correspondente a quem se inclina ao mais fraco para ajudá-lo e consolá-lo. Esta é a linha geral que Maria descobriu em Deus, através da escolha particular de sua pessoa.

“Fez força no seu braço: desbaratou os arrogantes de pensamento no íntimo de seus corações”. Para melhor entender o versículo poderíamos traduzir: Seu braço mostrou-se poderoso ao desbaratar os arrogantes de pensamento no íntimo de seus corações. O arco dos poderosos é quebrado; os debilitados são cingidos de força (1 Sm 2,4), pois aos poderosos Ele rebaixou dos tronos e exaltou os de humilde condição. Aos famintos cumulou de bens e aos ricos despediu vazios.

Neste ponto Maria segue o Salmo 107,9 e o cântico de Ana: Os que viviam na fartura se empregam por comida. Os que tinham fome não precisam trabalhar (1 Sm 2,4-5). Maria acompanha a política de Jesus nas bem-aventuranças, de modo especial a redação de Lucas: Benditos os famintos… Ai de vós os saciados agora (Lc 6).

“Deus olhou e abraçou Israel, seu filho, para se recordar da misericórdia como falou aos nossos pais, Abraão e à sua prole pelos séculos” (cf. Gn 17,7).

Maria permaneceu com ela – Isabel – por três meses e voltou a sua casa [a Nazaré]. Sem dúvida que era o tempo que faltava para que Isabel desse à luz seu filho e Maria, consequentemente, ficou com sua parente até o momento do nascimento de João. Assim, se explicam os detalhes do mesmo: de que Lucas é narrador e Maria, sem dúvida, a testemunha.

Os Evangelhos deveriam ser relatos de salvação, referidos a fatos e ditos de Jesus. Mas este relato de hoje tem como protagonista Maria. Ela é a figura central, já que o Filho ainda era um feto que carregava no seio e dependia totalmente da Mãe. Isso nos indica que Maria está unida intrinsicamente a seu filho na história da Salvação. A devoção especial que a Igreja dedica a Maria tem como base este relato de Lucas. Ela forma parte de nossa salvação como Mãe do Senhor.

Maria é mais do que a arca do Senhor que Davi humildemente recebeu maravilhado (2 Sm 6,9). Ela é a Mãe do Senhor. Recebê-la como visita é um favor que nos iguala a Isabel. E escutar o Magnificat é entrar dentro dos planos da Providência Divina para encontrarmos um alívio a nossa pequenez e insignificância. Não em nossos méritos, mas nessas circunstâncias – aparentemente desfavoráveis – encontraremos a bondade divina expressa em misericórdia.

No nosso mundo, em que a maternidade parece estar fora de moda, o encontro entre as duas futuras mães é um toque de gozo e esperança, como a renovação da vida que sempre é acompanhada de penalidades mas que, indubitavelmente, termina em feliz regeneração.

Isabel, como profeta de Deus, dá a Maria o título máximo que a representa ao povo de Deus: “Quem sou eu para que a mãe do meu Senhor venha me visitar?” Mãe do Senhor, que o Concílio de Éfeso expressou em termos mais filosóficos como Theótokos, que o povo aclama como Mãe de Deus. Venerá-la e recorrer a sua intercessão é seguir as linhas mestras que Lucas nos propõe no seu Evangelho.

Isabel a proclama como modelo entre as mulheres. Não é querendo tronos que estaremos na mira da misericórdia divina, mas sentindo nossa insignificância que veremos Sua bondade refletida como favor e benevolência em nossas vidas.

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