sábado, 3 de março de 2012

Liturgia e vocação

O que é liturgia? Segundo o Pequeno Di­cionário da Língua Portuguesa, liturgia é: "Complexo de cerimônias eclesiásticas; rito". Mas, se formos analisar etimologicamente a pa­lavra (do grego: leitl de laós = povo + ourgía/­de ergon = ação, dá liturgia), descobriremos que ela significa: "ação, serviço que se presta ao povo, ao público, à coletividade, à comuni­dade, serviço público, serviço fraterno". E aí já vemos que liturgia é bem mais do que pura e simplesmente "rito" ou "cerimônia eclesiásti­ca". É servir. É serviço. Liturgo é aquele que ser­ve, que ama, que se doa pelo bem dos de­mais. . .

Sabemos que não foi em primeiro lugar para fazer "cerimônias" no deserto que o povo de Israel foi libertado da escravidão do Egito. O povo foi libertado do Egito para, no deserto, es­cutar a voz de Deus, isto é, aprender a fazer como Deus faz (= amar!) e ser fiel ao seu amor. Veja a respeito o que dizem os profetas: Amós 6, 21-25; Isaías 1,11-17; Jeremias 7,22-23. Não foi em primeiro lugar para "oferecer sacrifícios" (culto ritual) que Deus chamou o ser humano. Deus o chamou (vocação!) para um culto muito maior. Deus o chamou para cultivar (culto!) aquilo que Deus é: amor, serviço, doação, litur­gia. Esta é a vocação do homem: ser liturgo (= serviçal). E só assim é que o homem será feliz, realizado, porque só assim o homem se fará "homem de Deus" (cf. Jr 7,23).

Não foi isso que Jesus Cristo fez? Ao má­ximo! Radicalmente! Jesus se doou totalmente. Fazendo em tudo a vontade do Pai, serviu até o fim ao ser humano. E o máximo de seu serviço (li­turgia) ao Pai e ao Homem se dá na Cruz, onde realmente acontece a máxima entrega. Ofere­ceu assim um "único sacrifício", um único cul­to agradável ao Pai, o único culto (serviço) que foi capaz de ligar novamente o Homem com Deus (of. Hb 10,4-14). Por que? Porque es­teve até o fim no cultivo (culto) da vontade do Pai (of. Jo 4,34; Lc 2,49; 4,1-13) e do serviço ao homem (of. Mc 10,45; Lc 22,27; Jo 13,15ss). Por­isso ele vive e é exaltado como Senhor (of. f1 2,5-11). Cristo aparece, pois, como Liturgo por excelência, não fazendo "ritos" e "cerimônias" no templo, mas oferecendo-se a si mesmo, doando-se até a morte e morte de Cruz em res­gaste de uma multidão. Nele cumpre-se a su­prema vocação do homem: liturgia, serviço. Nele e por ele que vive em nós (cf. Gl 2,20), cumpre-se nossa única vocação (chamado) que nos tornará felizes e realizados: liturgia no sen­tido mais originário da palavra.

Lembro-me daquela palavra de Paulo aos romanos, falando da verdadeira religião. Qual é a verdadeira religião? Paulo responde: "Que apresenteis vossos corpos como hóstia viva, santa e agradável a Deus, à maneira de um cul­to espiritual. Não vos acomodeis a este mundo, mas reformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que saibais aquilatar qual é a von­tade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito" (Rm 12,1-2; cf. F1 2,1-11; Ef 5,1-2; Tg 1,27). Aliás, na própria Liturgia cele­brada (Eucaristia), onde Cristo perpetua a sua doação total, nós dizemos: "Que ele faça de nós uma oferenda perfeita. . ." (Oração Eu­carística III). Ou: "que. . . nos tornemos em Cristo um sacrifício vivo.. ." (Oração Eucarística IV).

Ora, a vocação religiosa: o que é? Doa­ção de si a serviço da comunidade humana. Ninguém torna-se religioso para si! A pessoa coloca todas as suas potencialidades a serviço de uma multidão. "Oferenda perfeita". "Sa­crifício vivo". Liturgia viva! Vocação religiosa: possibilidade da máxima vivência litúrgica! Culto realmente agradável ao Pai. Destes ado­radores é que o Pai quer...

E a Missa, como é que fica? Não devemos então fazer "cerimônias" e "ritos"?... O caso é que a Missa não é pura e simplesmente "ceri­mônia", "rito". Ela, no rito é muito mais: é pre­sença do Liturgo Cristo. "Fazei isto em memó­ria de mim", diz o Liturgo. "Isto" o quê? Este ri­to! Que rito? Esta ceia! Este pão e este vinho! Aí proclamareis a minha presença viva doando-­me como "Pão que alimenta e que dá vida" e como "Vinho que. . . salva e dá coragem". Por­tanto: a Missa, mais do que pura e simplesmen­te "rito", é, no rito, o lugar da presença máxima da vocação do homem realizada em Cristo como doação-serviço-liturgia (= Redenção/Li­bertação). Conseqüentemente é na Liturgia eu­carística (serviço atual de Cristo ao homem) que a nossa vocação cristã (litúrgica) encontra sua máxima expressão. . . É ali que sempre de novo a liturgia do homem se encontra com a Liturgia de Deus. A vocação do homem se encontra com o chamado salvífico de Deus proclamando ao mundo que a morte foi vencida pela Vida.

Perguntas para os grupos:

1. Qual a ligação que existe entre Liturgia e Vocação?

2. Como celebrar na Liturgia as diversas vocações que existem na Igreja?

3. É possível viver uma vocação sem viver profundamente a Liturgia?

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