Dizer “Cristo Rei” é quase uma redundância, pois Cristo, que significa “messias”, já supõe o significado de ser ungido rei. A repetição, porém, enfatiza e endossa o desejo de realçar o atributo do poderio absoluto, que mais caracteriza sua pessoa divina, expresso também pelo título de “Senhor”, outrossim, releva o múnus régio de Jesus.
A Liturgia de hoje nos ajuda a conhecer a natureza da realeza de Jesus, cujo reinado não é deste mundo (Jo 18,36) e que, por isso, não faz concorrência aos reinos terrestres. Aliás, durante seu ministério público, Jesus foge quando querem fazê-lo rei (Jo 6,15), evitando dar à sua missão messiânica um cunho político e terreno.
No entanto, Jesus é Rei. Ele mesmo o afirma diante de Pilatos em circunstâncias, humanamente falando, pouco régias (Jo 18,37). Cabe a Paulo comentar alguns dos aspectos desta realeza: Jesus é o único mediador da salvação de toda a criação; n’Ele todas as coisas encontram seu acabamento e consistência; por Ele todos os homens têm acesso a Deus Pai, participando da única família do Pai; é Ele o Primogênito de toda a criação, a imagem do Deus invisível, cujo desígnio criador e salvador depende d’Ele; é Ele o Redentor que reconcilia com Seu sacrifício os homens e, vencendo a morte, é elevado à direita de Deus, constituindo-se também primogênito dentre os mortos; finalmente, Ele é também a Cabeça do corpo, que é a Igreja, a qual conquistou com Seu sangue como propriedade ou povo que lhe pertence para realizar a sua vontade (Cl 1,15-20; Ef 1,20-23).
Em um mundo que se descristianiza e se seculariza, como expressar ainda o direito que Jesus tem de reinar? Como manifestar tal direito quando há batizados que se empenham e se responsabilizam pela história, sem nenhuma referência a Jesus e a Seu Evangelho? A resposta que é dada, pelo conjunto da Pastoral exercida pela Igreja, é o próprio sentido da solenidade de hoje. Os autênticos cristãos confessam ser Jesus o Senhor, por consequência, querem que Ele tenha Seu espaço de influência na história que ajudam a construir.
Vivendo o sacerdócio régio, comum a todos os batizados, os fiéis cristianizam o mundo, iluminando a consciência dos homens, libertando-a da escravidão do pecado, tornando-os aptos a descobrirem a beleza de Cristo. As sociedades, com suas estruturas, quando são fermentadas por genuínos cristãos, descobrem espaços contínuos para o estabelecimento do humanismo integral. Onde Cristo chega pela vivência dos fiéis, descortina-se um véu de esperança para o drama humano do sofrimento e da finitude.
Por todas as razões acima expostas, a Solenidade de Cristo Rei privilegia o protagonismo do laicato católico. Por isso, em muitos lugares, hoje é o “Dia do Leigo” ou se administra o Sacramento da Crisma para que, na força do Espírito, os confirmados em Cristo – jovens e adultos – proclamem seu reinado na Igreja, na família e na sociedade, pela palavra, pelo serviço e pelo testemunho.
Pilatos, já informado da situação, pergunta diretamente a Jesus: “Tu és o rei dos judeus?”. Jesus responde com outra pergunta, indaga ao interrogador qual é a origem dessa acusação que, neste ponto, se converte em aclamação. Pilatos não está interessado em estabelecer nenhum tipo de vínculo com Jesus, contudo, segundo a forma como o evangelista João conduz o fio do relato, a realeza de Cristo acaba sendo proclamada não por seus patrícios, mas pelos pagãos.
Indiretamente, Jesus responde de modo afirmativo à primeira pergunta de Pilatos, mas presta um esclarecimento que, certamente, nem Pilatos nem seus acusadores podem entender: “Meu reinado – ou também minha realeza – não é deste mundo”, mas deve ser entendida “não ao modo ou à maneira deste mundo”.
E a explicação continua: “Se minha realeza fosse ao estilo desta realidade, teria sido defendido por meu exército e não teria caído nas mãos dos judeus”.
Mas Pilatos quer uma resposta mais clara, um ‘sim’ ou um ‘não’. E mais uma vez interroga: “Então, tu és rei?”. De novo, São João põe nos lábios de um pagão a expressão que confirma a realeza de Jesus. Pilatos o disse e assim é. Mas, em seguida, Jesus corrige a característica dessa realeza: “Para isso vim, não para dominar nem para infundir terror, mas para servir a verdade”.
Assim, pois, o evangelista deixa claro em que consiste a dimensão messiânica e real de Jesus. Não se trata de um rei ao estilo dos reinos temporais, mas ao estilo do que já se havia entrevisto no Antigo Testamento: a entrega, o serviço ao projeto do Pai, que é, antes de tudo, a justiça. Isso é a verdade para João, o projeto do Pai encarnado em Jesus.
Infelizmente, com o correr do tempo, usou-se de subterfúgios com o conteúdo desse interrogatório, especialmente a resposta de Jesus sobre a origem de sua realeza. Algumas correntes cristológicas – que subsistem até hoje – defendem uma dimensão “espiritual” do reino de Jesus. Conforme isso, “meu reino não é deste mundo” desconecta Jesus e seu Evangelho de todo compromisso e de todo o contato com a ordem temporal, dessa realidade concreta em que vivemos, e o transfere para um mundo “espiritual”.
“Mundo”, para João, é uma forma sintética de referir-se a tudo o que contradiz o projeto divino, e que pode equiparar-se ao que ele deseja descrever também com a expressão “trevas” em oposição à “luz”. Assim, pode-se entender “meu reino não é deste mundo”, como “não é desses reinos que se opõem ao querer de Deus” e, nesse sentido, Jesus realizou toda a sua ação, não contradisse em nada a vontade do Pai.
Como me posiciono a respeito das ideologias e tendências que pretendem manipular a figura de Jesus, como se Ele fosse um chefe monárquico? Em meu trabalho apostólico, reforço essa ideologia ou a descarto? Com base em quais passagens da Escritura sustento minha posição?
Senhor Jesus, aceita-me como membro do Reino que vieste implantar na história humana, deixando que Deus seja o Senhor da minha vida.
Padre Bantu Mendonça
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